sexta-feira, 12 de março de 2010

Quando o sol bater na janela

O inverno não cessa. Depois do outono mais quente desde 1900, Paris experimenta o frio mais rigoroso dos últimos 35 anos. Falava-se que essa mais recente queda de temperatura seria a última antes da primavera. Mas já se vão dez dias, e nada. O tempo gélido parece ter estacionado por aqui.

Parte da própria natureza já demonstra que não aguenta mais esperar pelo sol e pelo calor. As árvores, como numa alegria contida de quem aguarda o Carnaval chegar, já estão com os adereços pendurados: botões, brotos, tudo querendo desabrochar. Mas o vento que sopra sobre o relógio do tempo avisa que ainda não é hora, que se deve esperar.

Tem nada, não. O 21 de março já está se avizinhando. E quando o mercúrio começar a subir, a vida vai arrebentar por todos os lados numa profusão desordenada de cores, conclamando toda a gente para a rua. A primavera, para mim, tem cara de música de Chico Buarque. É A banda. O inverno, também. Ressoa a Apesar de você.

quinta-feira, 11 de março de 2010

O que foi dito

"A música é a arte da juventude, a literatura, da maturidade." Chico Buarque de Holanda, na edição especial de dezembro de 2009 da revista Bravo!

Allez Lyon!

A França acordou com um sorriso largo hoje. O Lyon entrou pra história ao mandar para casa o Real Madrid na disputa pela Liga dos Campeões. Na matéria do Le Figaro, um misto de alívio e satisfação demonstra a tensão que rondava o jogo: "Felizmente o Real Madrid não tinha dois ou três Cristiano Ronaldo nessa quarta-feira". A partida acabou em 1 X 1 e foi de Ronaldo o único gol do time espanhol.

Vannucchi no ataque

Paulo Vannucchi, Secretário Especial dos Direitos Humanos, passou por Paris e deu entrevista à revista L'Express. Defendeu ardorosamente a Comissão da Verdade como uma forma de apurar todas as violações de direitos humanos ocorridas durante o período da ditadura militar no Brasil para que o "país não repita esses erros" e "tire lições de sua própria história". Fala de 400 mortos e 10 mil torturados pelo regime. E ironiza os militares de pijama, como o general Maynard Marques de Santa Rosa, ao dizer que vivem "reunidos em clubes" e que "não evoluíram".

Sem esconder as diferenças com o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, Vannucchi acusou-o de inerte ao atestar que, diante da criação da Comissão da Calúnia pelos militares descontentes, ele simplesmente "não reagiu".

E confessou que, no calor do episódio, pediu demissão a Lula, mas o presidente não aceitou.

Fica a dúvida a ser posta a Vannucchi: do ponto de vista dos direitos humanos, como é que ele avalia o caso do dissidente político cubano, que o presidente comparou a um bandido paulista comum?

Vice pra quê?

É enfadonha essa discussão sobre vice-presidente no Brasil. Já ouviram falar de vice-presidente da França? Certamente, não. Porque não existe. Nos Estados Unidos, em quem nós tentamos pautar a nossa República, há. Mas lá o cara tem uma função institucional bem definida. Entre nós, vice-presidente serve exclusivamente para acomodação de interesses políticos. Não tem razão de ser. Presta-se, aliás, a outra bizarria: ocupar o lugar do titular quando ele viaja. Isso é ridículo. Obama, quando sai do território americano, continua presidente. Sarkozy quando deixa a França em viagem, seja oficial ou de férias, também. Mas, no Brasil, para o presidente chegar ali no Paraguai, tem que entregar o cargo ao vice, momento em que passamos a ter dois chefes do Executivo, um fora e um dentro do país. Dá pra entender? Dá. Mas só do ponto de vista da mamata e das relações de compadrio .

quarta-feira, 10 de março de 2010

Companheiro meritíssimo

A reforma do Judiciário que Nicolas Sarkozy tenta impor à França tem deixado muita gente em cólera. Redução da maioridade penal (já se chegou a cogitar 12 anos), fim dos juízes de instrução, fechamento de pequenas prisões, privatização das grandes são algumas das mudanças propostas.

Entre os muito insatisfeitos estão os juízes, que, ao contrário do que acontece no Brasil, vão pra rua de toga e tudo protestar, lado a lado, com funcionários da Justiça, advogados e cidadãos comuns. Nessa terça-feira, uma dessas grandes manifestações, que contou até mesmo com a presença de uma ex-ministra da Justiça, mexeu outra vez com o centro de Paris.

E não deixa de ser nova e vibrante a sensação de ver um excelentíssimo doutor desses da vida reagindo aos empurrões da polícia montada em cavalos e munida de cassetetes. Outro dia, vi uma das manifestantes dizer a uma televisão: "Ele (Sarkozy) pensa que é quem? Nós já cortamos a cabeça de um rei, podemos fazer muito mais com um presidente". Acho que mandou o recado.

Como vale esse meu verde

Quem chegou hoje aqui em Paris foi Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente. Veio participar de reunião promovida por Sarkozy relativa à Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças no Clima, cujo foco será a redução do desmatamento. A criação de um fundo mundial para as áreas florestais volta à tona. O Brasil ainda não definiu se deve ajudar ou ser ajudado financeiramente, caso o projeto vire realidade.

terça-feira, 9 de março de 2010

As folhas do tempo



Tenho prazer em revirar papéis velhos. O pó nos dedos, o crepitar das páginas ressecas, o cheiro que exala o amarelo deixado pelos anos idos, tudo isso reinventa o tempo. É como se as histórias do passado voltassem à vida, conquistassem o presente, ainda que por alguns momentos, naqueles instantes em que a gente mentalmente as reconstrói enquanto manuseia tudo.

Quando tenho oportunidade, sempre remexo o arquivo de onde trabalho. É um universo à parte, um mundo dentro do mundo, existências e fatos que repousam em silêncio à margem de uma rotina ruidosa e distraída.

Hoje, precisei passar por lá por um desses motivos banais e cotidianos. Mas, feito o que tinha de fazer, resolvi correr os olhos por mais algumas prateleiras. Peguei umas pastas cujos temas me interessavam e ali passei mais de uma hora lendo papéis, vendo fotos, observando anotações rabiscadas em documentos, tentando reconhecer assinaturas.

Ali, no meio daqueles maços, conheci mais um pouco do Brasil que não vivi. E como a gente paga um preço por tudo o que passa a conhecer, bateu uma tristeza por muito do que vi no ontem. Mas, por outro lado, bateu também uma imensa alegria por tudo o que vi no hoje. E, principalmente, por tudo o que vi no amanhã.

Ex-colônias, ex-colonizadores

Os espanhóis andam animados com a gente. Uma comissão do Senado aprovou relatório, elaborado em conjunto com grandes empresas, que aponta o Brasil como "potência de primeira ordem, com a qual se tem de contar". Os principais focos de investimento são os setores de geração e distribuição de eletricidade, bancário, de gestão de resíduos e de uso de energias renováveis.

Quem risca por aí no fim do mês, com um punhado de empresários a tiracolo, é o presidente do país Basco. Tem entrevista já agendada com Lula. Novos tempos em pleno bicentenário de independência da América Latina.

Espirro de porco

A vacinação contra a Gripe A iniciou esta semana no Brasil e, praticamente, já encerrou na França. Mas sob muitas pedradas. O alerta de pandemia por aqui foi desligado em janeiro depois que os casos da doença começaram a despencar, deixando para trás menos de 300 mortes pretensamente associadas ao H1N1. A ministra da Saúde, que havia autorizado a compra de 94 milhões de doses da vacina, quase caiu, acusada pela oposição e pela opinião pública de ter cedido ao lobby da indústria farmacêutica diante de um falso alarme. Disse que preferiu ser precavida, que a compra era justificável. Mas acabou obrigada, para salvar o governo da artilharia, a rescindir unilateralmente a aquisição de 50 milhões de doses, o que deve gerar aos franceses uma multa de 350 milhões de euros em favor dos laboratórios. Anti-vacinas desde criancinhas (muitos renegam até mesmo a BCG para os filhos recém-nascidos), apenas 5 milhões de cidadãos buscaram se imunizar. A sobra de 40 milhões de doses, a França vai empurrando, aos pouquinhos, para alguns parceiros estratégicos. Nós, entre eles, que ajudaremos a pagar a fatura do fiasco da vacinação por aqui.

segunda-feira, 8 de março de 2010

O que foi dito

"A humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele; ela não é considerada como um ser autônomo (...) Ela se determina e se diferencia em comparação ao homem e não ele em comparação a ela." Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo

Dilma na Tribune

Na ampla cobertura que a imprensa francesa traz hoje sobre o Dia Internacional da Mulher, o jornal econômico La Tribune dá destaque, numa matéria sobre América Latina, a Dilma Rousseff (De Evita a Dilma, a nova substituição no mundo político). Diz que o clube das presidentas latino-americanas (Cristina de Kirchner, da Argentina, Laura Chinchilla, da Costa Rica, e Michelle Bachelet, do Chile) "aguarda, quem sabe, o Brasil, onde o chefe de Estado que sai, Luiz Inacio Lula da Silva, apoia a candidatura de uma mulher, Dilma Rousseff, para a eleição presidencial de outubro de 2010".

Cores de Frida Kahlo


Se você vier por aqui até abril próximo, deixo uma sugestão: pegue um trem e vá a Bruxelas, entorno, região metropolitana de Paris. Uma hora e pouquinho, e você estará lá. O Palácio de Belas Artes da capital belga recebe, até 18 do mês que vem, a exposição Frida Kahlo y su mundo. São 19 quadros, desenhos e várias fotografias que imprimiram no Século XX todo o simbolismo e o surrealismo em que viveu a artista mexicana. Seus dramas - o acidente aos 17 anos, as sequelas que arrastou por toda a existência, o casamento atribulado com Diego Rivera - parecem saltar das telas. Confesso que, cada vez que vejo uma, fico tocado com a força que os traços e as cores conseguem exprimir. Fico mesmo sensibilizado com a dor que sinto vir de lá. E me pergunto que tintas são essas... Para mais um pouquinho sobre a exposição, vá em http://www.youtube.com/watch?v=pt97x6_SpbM&feature=player_embedded#.

Risco de degola

A França está em pânico com a crise grega. Ao receber o primeiro-ministro Georges Papandreou nesse fim de semana, Sarkozy avisou à União Europeia que ajuda financeira à Grécia é "obrigação política e moral". Tem suas razões. Se a crise virar sistêmica, a França será a primeira a tombar. Entre os grandes países da Europa, é o mais desindustrializado. Perdeu, nos últimos 20 anos, quase 40% dos seus empregos no setor, que hoje responde apenas por 13% da população ativa. As notícias para o trimestre que finda também não são boas. A projeção de crescimento do PIB, que já era magra (0,5%), foi revista para baixo: 0,4%. Com eleições regionais se aproximando e nova disputa ao Élysée em 2012, o medo do presidente é perder a cabeça.

Bomba-relógio

Sarkozy abre agora de manhã, na sede da OCDE, aqui em Paris, uma conferência internacional sobre acesso à energia nuclear civil. O Brasil, que anda abraçado com o Irã, mandou para o encontro Odair Gonçalves, presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear. Segue levando o tema na flauta do segundo escalão.

domingo, 7 de março de 2010

Professores e professores

Pesquisadores americanos se perguntaram porque professores universitários tendem tanto a ser de esquerda. E descobriram que, na realidade, a questão a ser posta era outra: por que tantos esquerdistas, muito mais que conservadores, desejam ser professores? A explicação está no estereótipo, principalmente o criado no universo das ciências humanas e sociais, em que se costuma imaginar alguém de óculos, laico e esquerdista, blêiser de tweed, fumando um cachimbo e dono de longas frases. A reputação de esquerdismo e laicismo do ensino superior, dizem os pesquisadores, é resultado dos últimos 35 anos, que desestimularam alunos conservadores, ainda no ambiente universitário contaminado por aquelas ideias, a aspirarem à profissão de professor. Tudo bem. Mas penso que isso vale para países como os Estados Unidos e a França. Para o Brasil, não se aplica. Enquanto eles viviam, por exemplo, um 68 agitado, nós amargávamos um AI-5. Vinte anos de ditadura militar destruiu o sistema universitário nacional, cassou muitos professores e tangeu outros tantos das salas de aula durante uma década, pelo menos. A lacuna foi, obviamente, muito bem ocupada por gente conservadora, despreparada e com ligações clericais. Tanto mais porque, na nossa cultura, os pseudointelectuais de direita buscam sempre vínculos acadêmicos para sustentar e validar uma inteligência que não têm. Henry Kissinger, ao que me consta, nunca se intitulou professor, apesar de longo período de serviços a Harvard. O mesmo ocorreu com Claude Lévi-Strauss, que morreu aos 100 anos se chamando antropólogo. No Brasil, no entanto, professor é um título cuja sonoridade a direita adora: Roberto Campos, Delfim Netto, Mailson da Nóbrega, Fernando Henrique Cardoso. Uma coisa, eu digo: muito mais do que daqueles que o usam indiscrimidamente, tenho medo é dos que por eles são formados.